O Hospital de Santo António e o Hospital de São João, ambos no Porto, estão a obrigar enfermeiras que usufruem do direito de dispensa horária para amamentação a fazerem prova de que estão a amamentar; para tal, obrigam-nas a espremerem as mamas para comprovarem que têm leite. Este procedimento, já de si ilegal, reveste-se ainda de especial gravidade pelo facto de configurar uma discriminação de género, além ser um procedimento absolutamente abjeto, indigno e aviltante para as mulheres e para os seus direitos.
De acordo com informações providenciadas pelo Hospital de São João ao jornal Público, esta unidade hospitalar afirma que, em 2014, implementou no Serviço de Saúde Ocupacional um “procedimento que atestasse a veracidade da amamentação, sempre que esta ultrapasse os dois anos consecutivos. O método escolhido consiste na expressão mamilar, o uso de bomba extratora de leite ou a amamentação da criança sob conversação de uma enfermeira, em ambiente recatado e respeitando a privacidade da lactante”.
Estas declarações do Hospital de São João são assombrosas! A dispensa para amamentação e/ou aleitação é um direito consagrado no Código do Trabalho e o seu exercício não está dependente do beneplácito da entidade empregadora! Até aos doze meses de vida da criança, o pai ou a mãe podem usufruir do direito de aleitação. A partir dos doze meses de idade da criança, as mães que se encontram a amamentar e pretendam usufruir do direito de dispensa para amamentação têm que entregar uma declaração do seu médico assistente confirmando que se encontram a amamentar. É esta declaração que faz prova da amamentação!
Ao Bloco de Esquerda chegou o testemunho de uma enfermeira do Porto que passou por esta situação. Esta enfermeira foi chamada ao Serviço de Saúde Ocupacional com a indicação de que deveria levar o boletim de vacinas. Assim fez e, depois de atualizada a informação vacinal, foi informada de que ia ser chamada ao gabinete médico para fazer prova da amamentação: “congelei com tamanha aberração. Entrei e foi-me dito que me teria de sujeitar à expressão mamária, de forma a comprovar a existência de leite, para que me fosse validada a condição de lactante. Confesso que foi o momento mais constrangedor e humilhante da minha vida, senti totalmente violado o meu direito à privacidade e à intimidade. Depois de espremidas as mamas e de comprovada a existência de leite, vesti-me e o funcionário registou a minha aptidão. Infelizmente, não fui a primeira a ser sujeita a isto. Mas gostava de ser a última. Nenhuma mulher deve passar por isto.”
Este pungente testemunho dispensa mais palavras. Uma sociedade decente não pode permitir que esta indignidade aconteça. O Ministro da Saúde, que já veio afirmar que “não demos qualquer orientação nesse sentido, não conheço as metodologias nem os casos”, tem que repudiar estes procedimentos e dar orientações para que tais práticas sejam erradicadas de qualquer unidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). O serviço público deve ser o garante do cumprimento da legislação laboral. Não é compreensível que Estado ultraje desta forma as mulheres.
Esta é uma situação absolutamente incompatível com a dignidade das mulheres, que tem que ser erradicada e não pode haver qualquer complacência para com estas práticas nem para com as instituições que as implementam.
Atendendo ao exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda vem por este meio dirigir ao Governo, através do Ministério da Saúde, as seguintes perguntas:
1. O Governo tem conhecimento da situação descrita?
2. O Governo reconhece que as práticas descritas são ilegais e configuram uma inaceitável discriminação das mulheres?
3. Que medidas urgentes vai Sr. Ministro da Saúde desencadear para garantir que estas práticas são erradicadas do SNS?
4. Que medidas vão ser implementadas para com as administrações dos hospitais onde estas práticas ocorreram, designadamente, Hospital de Santo António e Hospital de São João?
5. O Governo tem conhecimento de que estas práticas tenham ocorrido ou estejam a ocorrer noutras unidades do SNS? Em quais?
6. No que diz respeito ao Hospital de Santo António e ao Hospital de São João, quantas mulheres foram sujeitas a estas aviltantes provas de amamentação? Quais as suas profissões?
A Deputada e o Deputado
Helena Pinto e José Soeiro